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“Brincando com” as contratransferências durante uma supervisão: entre Work-Ego e Falso-Self do analista


Ayrton Yuri Alves Souza[1]

 

Durante um momento de descontração, em supervisão, de trocas e diálogos de vivências pessoais e laborais, eis que surge uma indagação de meu supervisionando: “Algumas sessões são bem difíceis de sustentar a demanda do analisando, parece que preciso me forçar para estar ali, como se precisasse construir outra personalidade” (sic). Ele complementa, “parece até a construção de um falso-self” (sic), conceito postulado por Winnicott e apresentado em uma das indicações de leitura norteadora das supervisões.


Questionamos os processos defensivos que leva ao desenvolvimento de um falso-Self como forma de proteção das instâncias egóicas. Dialogamos sobre as necessidades defensivas dele (contratransferência), que exigia suas capacidades mentais para brincar. Era possível que há existência de um falso-self estivesse presente, orientei dialogar em sua análise pessoal. No entanto, o que se apresentava, a meu ver, era justamente um recém-aprendizado de suas instâncias egóicas e superegóicas, diante de um novo enquadramento institucional, onde ele, supostamente, tinha maior liberdade para exercer seu processo criativo, que por vezes, esbarrava-se no limite do seu brincar (de sua contratransferência). Durante algumas de suas análises, com alguns de seus analisandos (crianças), o fazia moldar-se as necessidades egóicas destes, para adaptar-se enquanto Analista-Ambiente e promover um espaço potencial. Essa maleabilidade, proposta pela ética do cuidado, a luz dos pressupostos de Ferenczi em Elasticidade da técnica psicanalítica, de Winnicott Ambiente facilitador e do Meio Maleável de Rene Roussillon. Exigia para ele, uma readaptação da clínica psicanalítica, que outrora aprenderá em sua formação universitária, regida pelo enquadramento institucional.


Partindo desse diálogo, propus um jogo acadêmico. Inicialmente, ambos, teríamos que ler e apresentar um dos conceitos que apareceram: Falso-Self ou Work Ego, para que assim, pudéssemos compreender como ele se sentia diante de sua contratransferência. O mesmo, escolheu o conceito de Falso-Self e eu acabei por ser responsável pelo conceito de Work Ego. Este texto é parte desse brincar com a psicanálise, que construímos diante do (des)encontro em supervisão e consequentemente em análises com nossos analisandos.

 

Bad Job, “Bad Formação” e enquadre interior do analista

 

É comum escutar ou sentir desconfortos no início da carreira de um profissional Psi, até mesmo os profissionais com mais tempo de carreira, relatam sentir “dor de barriga”, entre outros sintomas antes da primeira sessão com um novo analisando. Durante a formação psicanalítica e/ou universitária, há toda uma ansiedade de colocar em prática aquilo que vem apreendendo. Quando se chega no momento dos estágios, essa ansiedade ainda se mantém. Chamo de ansiedade, a necessidade egóica do analista de buscar alguma previsibilidade no encontro do desconhecido, mantendo o objeto em sua zona de controle onipotente.


Sendo nesse momento, em que o profissional ou futuro profissional, se agarra a todas as experiências tidas em sua análise pessoal, teoria ou até mesmo nas experiências culturais que encenam a relação Analista e Analisando. Nessa perspectiva, poderíamos brincar com a teoria de Winnicott do Criado/Encontrado e diante da produção/criação de um ideal de ego do analista, cuja esse irá se relacionar a partir de seus objetos internos e idealizados, na tentativa de responder: O que é ser um analista? O que é ser um Psicólogo? Como posso atender a demanda desse? Será que conseguirei dar conta desse caso? Qual o meu limite na análise? Como serei enquanto analista? Mas nem todos/as Psi’s tiveram experiências positivas em seus processos de formação ou análise pessoal. Eis que esses objetos internos, levantam outras questões e certezas: “Eu não quero reproduzir aquilo que sofri com meu antigo analista/professor”, “Eu não posso reproduzir certas violências”, entre muitas outros pensares.


Toda essa contextualização temática, tem como objetivo apresentar um cenário comum, para os profissionais Psi’s, o (des)encontro com o imprevisível da análise e a “constante ameaça que permeia” o encontro clínico. Diante do encontro analítico, o material não-simbolizado (conteúdos eróticos e tanáticos) do analisando é depositado na figura do analista. Este, por sua vez e função, tem como objetivo auxiliar no processo de elaboração do analisando. Inicialmente, o enquadre externo (Contrato físico) tem uma função muito importante, ele ocupa o lugar da triangulação, apresentando as funções “Este é o Analista” contratado pelo “Analisando”. O Jogo de Diferenciação e Indiferenciação está posto (Souza, 2023). Mas, este, enquadre externo, não se sustenta por si só, é necessário que este, o analista, já tenha sido enquadrado anteriormente adquirindo o símbolo da ausência/presença (Eu e Não-Eu), é claro, que durante as sessões, o jogo de identificação é posto na relação transferencial-contratransferencial, abordarei tal implicação em instantes.


Tal capacidade egóica, permitirá que o Ego do analista, consiga sustentar as excitações pulsionais do analisando, servindo a priori como dispositivo paraexcitatório, dando continência a estes e posteriormente contribuir para transformação/elaboração do Elemento não simbolizado (Beta) a partir da função alfa ou função ômega (Roussillon, 2023, p.82). Ocorre que, determinadas experiências, ainda não foram bem elaboradas pelo Analista, e este passa a se identificar com o objeto, esbarrando no limite do analisável do próprio analista, “Os limites da analisabilidade não podem ser independentes dos limites do analista, alter ego do paciente” (Candi, 2020, p.04). Eis a confusão e impossibilidade de diferenciar Eu e Não-eu. Passando a ser uma unidade simbiótica indiscriminada/indiferente e a análise recai diante do sintoma do Analista-Analisando em uma eterna repetição. Nada mais, nada menos, conduziria ao estado de uma autoanálise, onde a díade Analista-Analisando, estariam se relacionando[2] mutuamente como projeção de uma parte de seu Self (Winnicott, 1975).


Lembro-me de uma aula de ética e pesquisa, no segundo semestre de minha formação universitária enquanto psicólogo. A professora em questão, solicitou para o grupo sentar em uma roda, realizamos toda a movimentação a mando dela. Passou a perguntar o que seria uma posição ética dos profissionais de psicologia. Em determinado momento, uma moça questiona a relação de saúde mental do psicólogo, como este profissional não poderia estar adoecido enquanto exerce seu trabalho. A professora em questão, responde austeramente: “Não a possibilidade alguma de um profissional de saúde mental ter algum Transtorno e atender na clínica. É preciso que este se trate antes” (sic). Um clima tenso surge da resposta e outra questão é evocada por outra aluna “E quanto a transtornos de personalidades?” (sic). Ela responde: “Olha, é realmente impossível que alguém com um transtorno de personalidade severa realize se forme enquanto psicólogo” (sic). A sala ficou em um climão, burburinhos surgem e uma das alunas se levanta abruptamente do fim da sala, atravessando o círculo em direção à porta e em rumo ao banheiro[3]. Neste momento, “todos sabiam o que ela sentiu”, o desconforto das falas que inibiram seu progresso na formação de sua vida psíquica. A sala passou a se dividir em duas grupos, aqueles que apoiavam o discurso psiquiátrico e moralizante da professora, a qual, passaram a fazer piadinhas. Do outro lado, aqueles que se identificaram com a aluna que não digeriu aquele discurso[4].


Ao considerarmos a problemática egóica, assim com o Psicanalista Luis Claudio Figueiredo propõe em seu livro A mente do analista, é necessário pressupor que as funções egóicas para a elaboração das experiências emocionais “são profundamente afetadas pelas ‘alterações do eu’, isto é, as sequelas deixadas na organização egóica pelo recurso maciço a métodos de defesa muito arcaicos e prejudiciais” (Figueiredo, 2021a, p.33). Além disso, é diante dos encontros na atuação clínica (entre outros enquadres laborais), que os profissionais se deparam com as problemáticas pulsionais, ou seja, da força das pulsões, com os graus variados de desafios impostos ao Eu e às suas capacidades de síntese (Capacidade de continência e transformação das experiências emocionais). Tanto intensidade quanto qualidade das pulsões de vida e de morte estão postos no encontro e implicam na construção de limites e na sobrevivência destes limites (Analista-Objeto).


Segundo Figueiredo (2021a), na situação analítica às coisas tendem a caminhar juntas, tanto as “alterações do eu” quanto as “problemáticas pulsionais”, podem produzir uma situação analítica extrema[5]. Conforme o autor, as alterações do eu, são adquiridas no decorrer da vida, mesmo com a  lógica do determinismo psíquico. Não à toa, o movimento abrupto da aluna em questão, se fez como protesto, dividindo a sala. Movimento este, que deflagra a ausência de esperança/crença no ambiente de formação acadêmica. A capacidade de acreditar em… ter fé em… é a possibilidade de confiar na sobrevivência do objeto e sua adaptabilidade ambiental, acreditar e ter fé que se pode SER no mundo, pois o mundo o torna possível, compreendendo suas necessidades egóicas (Winnicott, 1975, Roussillon, 2023). O ambiente falha, e em sua falha, se perde a esperança, “é preciso atacar”, dividindo a sala no meio, pois a esperança de SER no mundo, de SER uma psicóloga, é reeditado segundo a nova falha ambiental, que não considerou suas necessidades egóicas.


O ambiente, para além daquilo que é proposto de forma singela e individualista, do que se refere ao conceito “mãe suficientemente boa” é também ampliado no decorrer da vida, não apenas no estágio de integração da vida psíquica (Estágio da concernência). Um pequeno grande parentes, em determinada aula com a Profa Tania Aiello Vaisberg, a mesma menciona sua postura alterando o signo “Mãe” para Cuidador(a) ou Ambiente suficientemente bom. Nessa mesma perspectiva, Prof Gilberto Safra menciona sobre a posição interpsíquica e transpsíquica que permeia o cuidado, em suas palavras: “[...]A boa maternagem, assim como suas falhas, tem origem na mãe, no pai, nos ancestrais, na situação social em que a mãe se encontra, nas características de sua cultura e de sua época” (Safra, 2005, p.149) . Recentemente, aqui no Brasil, também tivemos o excelentíssimo livro produzido pela Psicanalista Vera Iaconelli chamado Manifesto antimaternalista: Psicanálise e políticas da reprodução. Além, desses autores, temos o Psicanalista Francês Rene Roussillon (2023) que amplia o discurso da preocupação materna primária, para “preocupação familiar ou mesmo societal, primária” (p.194). Partindo desses pressupostos, estariam os ambientes de formação a compreender as necessidades egóicas do futuro analista? Ou este, em sua posição solipsista, se reaver com as suas próprias falhas em sua constituição? Não cabe a mim decidir, nem a você leitor, talvez para a Professora em questão e alguns profissionais.


Não diferente do que o Psicanalista Wilfred Bion propôs acerca do bad job, a “bad formação”[6] que enquadra o analista também se implica nesse processo! Digo, o processo de enquadramento deste profissional, por tanto, da função enquadrante (Candi, 2010; Roussillon, 2019; Roussillon 2023; Souza, 2023), que aqui, se estende, para além das relações primárias Ambiente-Bebê como pontuei anteriormente. Retomando ao termo Bad Job, é diante do clima de tensão que surge no encontro analítico, que emerge as turbulências emocionais tanto do Analista, quanto do Analisando. É aqui, que as defesas se instauram e a necessidade, deste analista, de defender-se da turbulência emocional é convocada para preservação do Ego.


O Bad Job é justamente o momento presente, o instante do encontro, anterior ao acionamento das defesas que protegem aqueles que se encontram do peso das badaladas em que o futuro parece estar sendo decidido sem aviso prévio e sem protelações; alguns falariam em “encontro com o real”, antes de toda a simbolização (Figueiredo, 2021a, p.45).

 

Tarefa árdua essa do analista. Que deve se reaver no presente momento da análise “sozinho”. Coloco em aspas, pois é neste momento que o analista pode recorrer aos seus objetos subjetivos durante seu processo de formação. É neste momento, em que se pode recordar de seus suportes emocionais identificatórios, ou seja, de suas identificações com seus familiares, analistas, professores e supervisores, entre outros, sentindo-se ao menos com chão para cair. Caso não haja tais objetos, ou pelo contrário, esses objetos ocupam um espaço autoritário e austero, não existirá limite ao chão e o processo regressivo posto pelo encontro analítico, conduzindo o analista no vazio.


De acordo com Figueiredo (2021a) cabe a nós, analistas, tentar reduzir os procedimentos defensivos, para que, só assim, existam condições para dar continência ao susto do encontro. Para o autor, é evidente que defesas e resistências do analista tendem a minimizar o susto do encontro. Paradoxalmente, quanto mais essas tentativas de proteção ocorrem, mas são atraídas aos processos contratransferenciais “[...] eis-nos aqui e agora tal como somos e sem disfarces, com nossos impulsos eróticos e agressivos e nossas defesas operando (quase) à luz do dia” (Figueiredo, 2021a, p.47).

 

Contratransferência e Work-Ego diante do encontro:

 

Tais levantamentos abrem uma questão: Como nós, analistas, podemos reduzir os procedimentos defensivos diante do encontro? Em outras palavras, o que podemos fazer com a contratransferência? A solução freudiana em seu texto Inconsciente (1915) pontua Figueiredo (2021a) seria 1) prever; 2) identificar e 3) subjugar:


Prever pode se basear na experiência acumulada pelo analista com muitos analisandos; mas para identificar é preciso, em primeiro lugar, deixar que ocorram, deixar-se afetar pelas comunicações inconscientes do paciente no seu próprio inconsciente, e essa afetação no encontro entre inconsciente é o completo oposto do subjugar, ao mesmo tempo, sem esse subjugar a contratransferência, a pura afetação torna a mente do analista bastante suspeita para o exercício da atenção flutuante e demais operações a ela requeridas. (Figueiredo, 2021a, p.96)

Como identificar o processo ciais? Sabendo que alguns dos efeitos do encontro, é o próprio processo de identificação do analista com o seu analisando, ou então, com o conteúdo posto. Quanto aos processos de identificação o qual sua natureza é prevalentemente inconsciente (Freud, 1921), por assim dizer, quando uma pessoa se identifica com a outra, não se dá conta disso e poderá se manter identificada por um longo período e uma grande parte do seu Self é substituída pela outra.


Pensando nessas problemáticas posta por Freud (1915), Figueiredo (2021a; 2021b), busca sua resposta em Sandor Ferenczi e Robert Fliess, para dialogar com os processos contratransferências. De acordo com o autor, a solução de Ferenczi a respeito a “subjugar a contratransferência” corresponderia a oscilação entre identificação e atividade intelectual. No entanto, na época de Ferenczi, cita Fliess (1942) não existia um aparelho metapsicologico que pudesse fazer Ferenczi ir além da exigência do analista e sua habilidade de realizar tal oscilação (Figueiredo, 2021a; 2021b).


De acordo com Fliess (1942) citado por Figueiredo (2021a) para o analista ter a possibilidade de realizar tão oscilação, é necessária uma liberdade e mobilidade dos investimentos psíquicos, livres de qualquer inibição. Tal proposta, implica no processo “quase” natural da oscilação, mas esbarra no aspecto da identificação e autocontrole ou atividade intelectual, que implicaria na espontaneidade do analista diante do encontro. Diante da problemática da oscilação, Fliess pontua que o analista, em seu processo laboral, opera com um Work-Ego, caracterizado por uma relação especial entre Superego e Ego do analista. O Work-Ego do analista durante a sessão é caracterizado pela “alteração provisória e não patológica, assim como Freud já apontava em 1927 nas relações do ego com o superego na situação de humor” (Figueiredo, 2021b, p.28).


Na verdade, acho que essa alteração é a que também ocorre durante uma brincadeira, especialmente quando a brincadeira já requer algumas regras: o supereu mantém-se firme e, de certo modo, nada permissivo, mas ao mesmo tempo autoriza o eu para, com imensa liberdade, brincar, experimentar e agir com grande espontaneidade dentro das regras bem estabelecidas. O que não pode acontecer, porque senão o jogo termina, é certo tipo de interferência superegóica no próprio campo lúdico (Figueiredo, 2021b, p.28).

A proposta de Fliess (1942), assim como menciona Figueiredo (2021a; 2021b), é que o superego se mantém fiel aos enquadres psicanalíticas a qual se herdou, ou seja, se mantém firme as exigências do método psicanalítico que incluem: abstinência de gratificação libinais e narcísicas, permitindo ao Eu do analista uma liberdade para experimentar as mais extremas fantasias na contratransferência, análogo ao sonhar ou brincar-infantil.


Essa fidelidade ao enquadre psicanalítico, é o equivalente à “regra constitutiva” do jogo, mas que, não impele os processos criativos e espontâneos do analista, bem como, do analisando. Pelo contrário, é aquilo que possibilita maior maleabilidade[7] ao enquadre. Para que isso ocorra, as funções superegóicas e do ambiente[8] devem ser capazes de diferenciar o que são “regras regulatórias” e “regras constitutivas”, para que assim o superego possa ajudar seu work-ego a manter-se na posição analítica observando, pensando, brincando e sonhando.


A noção de regras regulatórias é apresentada por Figueiredo (2021b) a partir do exemplo do jogo de futebol, onde o treinador, pode ofertar instruções e ensinar jogadas para os jogadores, mas os jogadores jogariam mal caso seguissem apenas as jogadas feita pelo treinador. No decorrer da partida, é necessário que o jogador apresente de forma criativas novas jogadas e técnicas. As regras e jogadas do treinador, seria o equivalente as “regras regulatórias”. As “regras constitutivas” diz respeito a função do Juiz e do Bandeirinha, permitindo que todos joguem o mesmo futebol.


Um analista perderia sua capacidade de escuta e pensamento, de brincadeira e de sonho, se deixasse que as vozes de teorias e supervisores ressoassem em sua mente durante a sessão como regras regulatórias, tal como os jogadores ficariam inibidos e embaraçados com o excesso de presença do técnico em campo durante a partida.

 

Neste ponto, é preciso retornar a famosa frase de Freud “o superego é o herdeiro do complexo de Édipo”, pensando no aspecto constitutivo do superego. Partindo daí, quais foram as condições ambientais a qual este aparelho psíquico se originou? Quais são as heranças transmitido no desenvolvimento psicossexual (Freud) e emocional (Winnicott)? Quais foram as heranças herdadas durante a formação em psicanálise ou universitárias?

 Essas perguntas podem ser respondidas moralmente-excludente-normativa, sob a luz de um superego severo ou cruel, ou, então, por um ambiente austero que projeta essa demanda, com objetivo de determinar quais estruturas psíquicas estão aptas ou não a trabalhar, o que novamente impede o desenvolvimento psíquico.  Não diferente das “igrejas”[9] psicanalíticas que ditam o que é ou não é psicanálise “Isso é psicanálise”, “isso não é psicanálise”, “Isso não é Freud”, entre outros. Sintomas institucionais aparte. Cabe-nos tentarmos responder, a partir de sua relação com o ambiente (primário ou institucional) a luz do “meio maleável” e sua função enquadrante, a qual se origina (ambiente) o enquadre interior do analista.


A meu ver, Fliess (1942) introduz uma nova máxima, a qual me permitirei construir/criar de forma espontânea: “Onde estava o Isso (Id) e o Superego, deve advir o (Work)-Ego”, que se localiza na terceridade das relações (objeto objetivamente percebido e objeto criado) e sua epigênese interacional[10], respeitando as regras (constitutivas) da psicanálise. Se anteriormente Freud introduzia suas máximas “onde estava o Isso [Id], deve advir o Eu” e “o superego é o herdeiro do complexo de Édipo”. Em outras palavras, é preciso que o Eu seja conquistado por um trabalho de investimento e apropriação. Já que a formação de um superego “saudável”[11] ou a formação de um superego severo, ou cruel, que se origina da identificação com agressor (Ferenczi,1933 apud Souza, 2022) necessitaria da relação ambiental para advir, bem como do Eu e a consideração das “necessidades egóicas” (Roussillon, 2019, 2023).


Por um lado, existe as questões do Ego, que é preciso pensar como este conseguiu se diferenciar do objeto, concebendo como não-eu, para que assim, conseguisse simbolizar um Eu (Self). Do outro, superego, precisamos compreender quais foram suas heranças, que originaram de uma identificação com o agressor, de “seu tipo de modo de estar no mundo” ou de uma reação ao medo de uma sanção externa (medo da castração) provinda do complexo de édipo.


O que nos abre espaço para pensarmos a origem do Superego de Freud até Winnicott entre outros autores, partindo dos pressupostos do desenvolvimento psicossexual e emocional, entre outras possibilidades. Afinal “Se Freud fundou tudo, se ele foi o criador absoluto, então, depois dele, tudo acabou, a psicanálise já foi descoberta, tudo já foi dito” (Roussillon, 2023, p.53). A psicanálise, bem como Freud, já sobreviveu a muitos “ataques” e continua sobrevivendo, criar não é aniquilar, mas encontrar psicanálises outras, seguindo as regras constitutivas do jogo.



Quanto ao Falso-Self do analista e os processos contratransferenciais, deixo subentendido no texto e um convite para vocês leitores, e, ao, meu supervisionando, responderem e retornarem o diálogo a partir de suas psicanálises (criada/encontrada).


 

Referências Bibliográficas

 

CANDI, T. S. O duplo limite: o aparelho psíquico de André Green. São Paulo: Escuta, 2010.

FIGUEIREDO, Luís Claudio. A mente do Analista. 02a. ed2 São Paulo: Escuta, 2021a.

____________. A formação da mente do psicanalista: considerações a partir de Ferenczi e Bion. 2021. v. 10 n. 25-30 (2021): Jan-Jun. SIG Revista de Psicanálise. São Paulo, 2021b. Disponível em: https://ojs.sig.org.br/index.php/sig/article/view/50 Acessado em 12/09/2024.

 

ROUSSILLON, R. Manual da Prática Clínica em Psicologia e Psicopatologia. 2. ed. São Paulo: Blucher, 2019.

 

____________. Narcisismo e a análise do Eu. 1. ed. São Paulo: Blucher, 2023.

 

SAFRA, Gilberto. A face estética do self: teoria e clínica. Aparecida-SP: Ideias & Letras: São Paulo. Unimarco Editora, 2005.

SOUZA, Ayrton Yuri Alves. Enquadres e seus manejos na clínica contemporânea.  LAPP-UNI9, 2023. Disponível em: <https://www.lappuni9.com.br/post/enquadres-e-seus-manejos-na-cl%C3%ADnica-contempor%C3%A2nea>. Acesso em: 02 set. 2024.

Winnicott, Donald. Woods. O brincar e a realidade. São Paulo. Ubu Editora, 2024.


[1] Psicológo pela Universidade Nove de Julho (UNINOVE). Pós-Graduado em "Saúde Coletiva com ênfase em Saúde da Família” pela Universidade Nove de Julho (2023). Membro Fundador e Ex-Presidente da Liga Acadêmica de Psicanálise e Psicopatologia da Universidade Nove de Julho (2019). Atua como psicólogo clínico e supervisor clínico, pela perspectiva psicanalítica. E-mail para contato: Souza.ayrtonyuri@gmail.com Whatsapp para contato: 11949736577

[2] Utilizei o termo “relacionando” como uma proposição aos conceitos de uso do objeto e relação de objeto, em suma, o Uso do objeto, consideraria o objeto para fora da zona de controle onipotente, enquanto a relação de objeto não.

[3] Sorte a minha ter lido Cartas a um jovem terapeuta do falecido Calligaris e passado por bons analistas. Caso contrário, seria eu realizando este movimento.

[4] Pelo que me recordo, ela não concluiu a Universidade de Psicologia, como muitos colegas de sala, seja por condições de classe social ou questões intrapsíquicas como a do exemplo.

[5] Em determinada sessão, uma paciente com núcleos não-neuróticos, bem-postos, onde sua principal comunicação era a partir do Ataque ao vínculo e relações transferenciais “negativas” para testar o ambiente, me defrontei com a impossibilidade da continuidade da sessão. Estava em um momento de Luto e não havia condições de atender alguns pacientes, principalmente aqueles cuja comunicação é de Ataque ao Vínculo ou de testar a sobrevivência do objeto. Encerrei abruptamente a sessão e encaminhei a mesma para um colega. Senti que todo o processo que havíamos trabalhado por 2 anos, estava perdido. Estava enganado, após alguns meses, ela me recorrerá em momentos de embriaguez e desamparo. Mantinha a postura de encaminhar ou simplesmente inserir uma reação 👁️‍🗨️ no diálogo, pois não estava pronto para retornar aquela dinâmica.

[6] Insiro aqui de forma tosca! Aquilo que se vem debatendo durante o período da pandemia em diante, acerca de uma Formação psicanalítica e seus processos de exclusões que não consideram questões de um metaenquadre social, excluindo totalmente uma parte da população no processo de formação e de análise (elitizando os processos).

[7] Insiro aqui o conceito de “Meio maleável” de Rene Roussillon “As propriedades do Meio Maleável são, primeiro, propriedades de um certo modo de relação e de comunicação primitivas com o objeto primeiro que supõe disponibilidade, sensibilidade, apreensibilidade, constância, indestrutibilidade etc. do objeto”. (Roussillon, 2019, p.191).

[8] Partindo de uma perspectiva que considere a terceridade/transcricionalidade como fenômeno;

[9] Menciona aqui a posição ortodoxa que retroalimenta a hegemonia Freudo-Lacaniana no Brasil, bem como movimentos separatistas de Institutos leitores de Winnicott, que centralizam os estudos apenas na teoria de Winnicott, nada além.

[10] “De acordo com esse modelo, não é possível pensar o processo do desenvolvimento e da construção do sujeito humano independentemente de sua relação com o ambiente (Roussillon, 2023, p.94).

[11] Para Winnicott, nem a moralidade, nem o superego são constituídos como um tipo de reação ao medo da sanção paterna, mas sim como um tipo de modo de estar no mundo (criado-encontrado pela criança, amado porque atende às necessidades de ser, e cuidado porque é expressão dela mesma), de forma que a criança que não encontrou o mundo como uma imposição, mas sim pôde ser no mundo a partir de si mesma, apoiada pela adaptação ambiental, ela tem uma ligação e relação de cuidado com esse mundo (Fulgencio, 2013, p.12).

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