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Confusão de línguas entre os adultos e a crianças - Sándor Ferenczi

O texto “Confusões de Linguagem entre adultos e crianças” de Sándor Ferenczi, trata-se de uma observação inusitada, seus pacientes, por, mas experiências traumáticas que tiveram, não conseguiam dirigir a raiva para imagem do Analista, independente se o mesmo incentiva a tal ato.


Partindo daí, questionou-se o que impedia que tal sentimento de raiva, de cólera, não fosse trabalhado nas sessões, era Ferenczi que reprimia ou seus pacientes recalcavam tal sentimento? Tal percepção, só foi possível, ao tentar inserir sua técnica ativa como manejo, indagando e forçando constantes regressões do evento traumático. Tal atitude, colocava a imagem do ANALISTA como a imagem do AGRESSOR. O analisando estava transferindo no analista, aquilo que outrora já havia acontecido. Submeter-se ao agressor-analista.


As constantes indagações, interpretações ou regressões ao evento traumático na técnica ativa de Ferenczi, até traziam uma determinada melhora no quadro clínico, "Porém os pacientes começavam a queixar-se de estados de angústia noturna e sofriam mesmo de pesadelos horríveis” (Ferenczi, 1933, p.98).


Passou a questionar sobre onde estava essa raiva e mal-estar produzido pelo analista. Já que Ferenczi estava incentivando frequentemente que seus pacientes dirigissem a raiva a ele. Só restou supor que seus pacientes estavam recalcando tais sentimentos. Mas a que nível esse recalcamento se dava?



É através das funções primárias, por tanto, inconsciente, que esse processo de recalcamento acontecia. Ferenczi passou a perceber que seus pacientes sentiam quando o analista não estava sendo sincero, seja omitindo, mentindo, desânimo, desatenção, com raiva, ou seja, percebiam as contratransferências do Analista, mesmo que este estivesse desprovido de tal saber. Somente a identificação responderia tal processo, por tratar-se de um função primária inconsciente¹.


Colocando em jogo a questão da confiabilidade do Analista, já que este, de alguma forma não estava sendo sincero com o analisando que percebia suas intenções. No que diz respeito uma das regras da Psicanálise, a técnica de neutralidade estava em jogo, não podendo ser utilizada em determinados pacientes, pois estes iriam perceber.

Tendo em vista isso, Ferenczi (1933), passa a chamar tal noção de “hipocrisia profissional” e é colocada no campo da análise e da relação, na medida em que o Analista tenta de alguma forma preservar sua imagem. Seja por:


  1. Não suportar um traço/característica/conteúdo exposto pelo Analisando;

  2. Preocupação profissional com o paciente (medo do paciente cometer suicídio, sofrendo violência sexual/domestica, entre outras preocupações);

  3. Preocupação pessoal e íntima com o paciente;


Ferenczi (1933) passa a conceber que uma atitude mais sincera frente ao analisando, promove e fortalece a confiança na relação da díade Analista-Analisando. É somente através da “Benevolência” sincera do Analista que o Analisando consegue suportar a experiência traumática. Benevolência corresponderia a capacidade da analista de perdoar os ataques hostis da analisando/criança:


“Se essa benevolência vier a faltar, a criança vê-se sozinha e abandonada na mais profunda aflição, isto é, justamente na mesma situação insuportável que, num certo momento, a conduziu à clivagem psíquica e, finalmente à doença” (Ferenczi, 1933, p.101).

Dando continuidade a regressão infantil e a clivagem do Analisando, Ferenczi (1933) retoma a percepção da criança frente aos eventos ao seu redor (pais se separando, problemas financeiros, violência entre o casal, adoecimento psíquico ou físico dos pais). Esta percepção infantil é "extra-lúdica", ocupando um espaço da fantasia e onipotência lúdica. Ocorre que "não é só a intensidade e a intrusão violenta do outro que traumatiza, é o desmentido, ou o descrédito que lima sua possibilidade de elaboração" (ROBERT; KUPERMANN, 2022, p.188) cindindo a fantasia onipotente lúdica do infante.


Como exemplo desta intrusão do outro, Ferenzci (1933) pontua os inúmeros casos de violência sexual (pedofilia) sofrido pelas crianças. Onde a confusão da Fantasia edípica da criança de brincar de ser o pai ou a mãe de um de seus cuidadores e parceiro/a do outro cuidador “Brincar de Casinha”, vista pelo olhar do adulto que já atingiu um nível de maturidade sexual.


Estamos aqui no espectro de distinção do EROTISMO INFANTIL x EROTISMO ADULTO. Enquanto a percepção e a fantasia erótica da criança está vinculada ao lúdico, a percepção do adulto está vinculada ao objeto. No estado "extra-lúdico" a criança não tem o objeto, mas cria o objeto, já o adulto, percebe o objeto enquanto outro e esta relação é marcada pela ambivalência (Amor e Ódio).


Esta confusão, do erotismo sexual do adulto e da criança, promoverá o conflito ambivalente (amor e ódio) da "luta do sexos" e sentido de aniquilamento do orgasmo (LEJARRAGA; 2008). A confusão de linguagem, postada em seu título, se trata da forma como o objeto é visto em sua relação.


O adulto estaria atravessado pela linguagem da paixão, aquela, pela qual, estaria guiada pelo exagero, pela ausência de limites, pelo abuso e sua ambivalência (amor e ódio). Enquanto criança, estaria atravessada pela linguagem da ternura, que não conhece o exagero da paixão. É anterior à sexualidade genital, é o próprio jogo, ou experiência lúdica de fantasiar. O famoso olhar malicioso do adulto e o olhar inocente da criança.”O que a criança deseja, de fato, mesmo no que diz respeito às coisas sexuais, é somente o jogo e a ternura, e não a manifestação violenta da paixão” (FERENCZI, 1930, p.64, apud OSMO; KUPERMANN, 2022, p,331).


No atravessamento do adulto acerca da fantasia infantil, toda reação de ódio, repugnância ou de resistência (violenta ou não) contra o agressor, é dissipada pelo medo. Passam a sentir-se física e moralmente sem defesas (Ferenczi, 1933). Este medo, em seu auge, obriga as crianças a submeterem automaticamente à vontade do agressor, adivinhar seus desejos e a obedecê-lo, esquecendo a si mesmas e a identificar-se com o agressor.


“Por identificação, digamos, por introjeção do agressor, este desaparece enquanto realidade exterior, e tornar-se intrapsíquico; mas o que é intrapsíquico vai ser submetido, num estado próximo do sonho – como é o transe traumático -, ao processo primário, ou seja, o que é intrapsíquico pode, segundo o princípio de prazer, ser modelado e transformado de maneira alucinatória, positivo ou negativo” (Ferenczi, 1933, p.102)

Todavia, a criança ainda preserva a situação de ternura anterior, a imagem fantasiada do objeto (agressor/a) - todo seu amor - mas é a introjeção do sentimento de culpa do adulto (agressor/a), que confunde a possibilidade de amar este (agressor/a), se apresentando pela culpa de amar o objeto (agressor/a), como um ato merecedor de punição (Ferenczi, 1933).


Ferenczi (1933) passa a perceber então, que seus pacientes não conseguem atribuir raiva a ele (analista), pois seus pacientes, haviam transferidos aspectos do agressor na imagem do analista e sua identificação com o analista, teriam referências a experiência regressiva do trauma. “Só agora compreendo por que os meus pacientes se recusam, tão obstinadamente, a seguir-me quando os aconselho a reagir ao agravo sofrido com desprazer, como seria de esperar, com ódio ou com defesa” (Ferenczi, 1933, p.103).


O trabalho do analista benevolente paira pela possibilidade do analisando renunciar a esta identificação com agressor e a defender-se dessa transferência tirânica. Para isso, se faz necessário, que o Analista, suporte os ataques e perdoe o analisando condicionalmente, por não se tratar a um ataque direto a imagem do analista, mas sim, a este jogo transferencial.


“Em numerosas ocasiões já tentei mostrar como o analista no tratamento deve prestar-se, às vezes, durante semanas, ao papel de "João teimoso" em quem o paciente exercita seus afetos de desprazer. Se não só nos protegermos, mas em todas as ocasiões, encorajarmos o paciente, já bastante tímido, colheremos mais cedo ou mais tarde a recompensa bem merecida de nossa paciência, sob a forma de uma nascente transferência positiva” (FERENCZI, 1928c/2011, p. 35, apud ROBERT; KUPERMANN, 2022, 187).

Referências bibliográficas

FERENCZI, Sandor. Confusão de línguas entre adultos e crianças. In: Ferenczi. Psicanálise III 1933. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

LEJARRAGA, Ana Lila. Clínica do trauma em Ferenczi e Winnicott. Nat. hum., São Paulo , v. 10, n. 2, p. 115-147, dez. 2008 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-24302008000200005&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 12 jun. 2022.

OSMO, Alan; KUPERMANN, Daniel. Confusão de línguas, trauma e hospitalidade em Sándor Ferenczi. Psicologia em Estudo, v. 17, n. 2, p. 329-339, jun. 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s1413-73722012000200016. Acesso em: 12 jun. 2022.

ROBERT, Priscila Frehse Pereira; KUPERMANN, Daniel. Suportar o ódio, suportar o próprio ódio: os casos R.N., S.I. e os limites na clínica de Ferenczi. Cad. psicanal., Rio de Jeneiro , v. 37, n. 33, p. 175-193, dez. 2015 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-62952015000200009&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 12 jun. 2022.

SOUZA, Ayrton Yuri Alves; SCHIRMER, Anderson. A empatia no mal-estar político: uma compreensão dos fenômenos de subjetivação na contemporaneidade. IN: FRONTEIRAS 33° CONGRESSO LATINOAMERICANO DE PSICANÁLISE., 2020. URUGUAI, ANAIS. p.01-2110


SOBRE O AUTOR:

Psicólogo formado pela Universidade Nove de Julho (2021). Membro Fundador da Liga Acadêmica de Psicanálise e Psicopatologia da Universidade Nove de Julho (2019). Atuou como estagiário no Programa Qualifica(SUS) (2020). Atuou como Estagiário no Núcleo de Atendimento à Saúde Mental do Universitário - NASMU (2020), Atuou como Estagiário no Núcleo de Apoio à Inclusão NAI -, (2021). Atuou como Estagiário no Projeto ROMPA (2021). Pesquisador orientando (2019) - Iniciação científica - Universidade Nove de Julho: Sobre temática Identidade social de mediadores e conciliadores". Pesquisador em Diversidade Humana e Comportamento Violento (2019) - Linha de Pesquisa. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em psicologia, atuando principalmente nos seguintes temas: psicanálise, mal-estar político, gênero, neoliberalismo e psicopatologia. Pesquisador orientando (2020) - Iniciação científica- Universidade Nove de Julho: Sobre temática "As patologias no contemporâneo".




¹Segundo Bolognini (2008) citado por SOUZA e SCHIRMER (2020) A identificação é uma função primária inconsciente, cuja finalidade é o evitamento defensivo de angústia, sentimento de culpa e perdas objetais 



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