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Quais Contribuições o Isolamento Social Pode Trazer Para o Debate da Internação Compulsória?

Atualizado: 22 de mai. de 2020

Com a atual crise no sistema de saúde brasileiro, relacionado a pandemia de COVID-19, a população se viu obrigada a permanecer dentro dos seus lares. Atividades consideradas normais, como ir trabalhar, sair pra ir ao mercado, visitar amigos, parentes, passaram a ser extremamente perigosas, podendo trazer o contágio para dentro dos lares.


Nessas situações mais difíceis, damos maior importância para esses momentos de liberdade. Diante esses momentos em que somos castrados dessa liberdade, nos sentimos angustiados. A situação acaba com a nossa ideia de que temos o controle total do que ocorre em nossas vidas (PREUSS et al, 2020).


Ainda, essa vivência tem uma extrema importância no nosso contexto atual, onde o ser humano nunca se permite ao ócio, parar para pensar no que falta para realizar seu desejo de fato. Há uma grande alienação nesse sentido, pois no sistema capitalista há sempre algo sendo oferecido de todas as formas possíveis para que as massas adquiram, causando alienação, esquecendo que somos seres singulares que têm seus sentidos subjetivos.


Além de termos de lidar com essa grande demanda advinda de nossa psique, temos de lidar com nossos medos, ansiedades, neuroses que entram em conflito com uma mídia que nos bombardeiam de informações a todos os instantes, deixando-os cada vez mais alarmados.


“O  bloqueio,  o  estar  fechado  em  casa,  que  a  Itália  e  agora  outros  países  estão  experimentando  e  vivendo,  é  um  enorme  experimento  coletivo,  uma  nova  Norma:  uma  condição  generalizada,  que  afeta  todos,  especialmente  aqueles  que  estão  realmente em casa e não devem ir todos os dias aos seus locais de trabalho, assistência médica, produção ou serviços essenciais.” (MEZZINA, 2020).

As pessoas acabam por negar a existência desse inimigo invisível, chegando a protestar por seu direito de ir e vir, tendo a ideia de que o governo está reprimindo seus cidadãos e colocando em risco a economia do país.


Essa situação, muito nos faz lembrar sobre a luta antimanicomial que há décadas têm tentado conscientizar as pessoas de uma forma geral que, retirar a liberdade de pessoas contra a sua própria vontade, “por um bem maior”, não é a melhor saída.

Essa debate, vem tomando cada vez mais espaço nos últimos anos, principalmente com o sancionamento da Lei 13.840, pelo Governo Federal, que autoriza a internação compulsória de dependentes químicos, sem a necessidade de autorização judicial (Coelho, 2019).


Como Argeu (2014) menciona, muitos familiares não sabem o que fazer com seus entes queridos que se encontram viciados em substâncias psicoativas e acabam por largá-los na internação, por não aguentarem ou não saber lidar com aquele indivíduo.

A sociedade no geral, não sabe como lidar com a problemática que a droga causa no cotidiano dos viciados, tentando de certa forma “fechar os olhos” para a situação. As clínicas de internação funcionam, da mesma forma como os manicômios, como um depósito de pessoas que, no julgamento popular não contribuem para sociedade ou a tornam-a violenta.


Oliveira (2014), relata o descaso do Estado e da população classe média e alta vem cometendo com essa população. Atrás de um discurso de cuidado com a saúde dos viciados que se encontram nas ruas, em que a internação funcionará como solução para que os mesmos possam andar livremente nas ruas, sem serem agredidos, como a mídia vende, ou até para não passar uma visão ruim para outros países em futuros eventos no Brasil.


Ainda seguindo o pensamento de Oliveira (2014), não podemos deixar de citar o quão individualistas são esses pensamentos, que acham que a violência está sendo empregada contra eles, se esquecendo da violência que empregará contra esses sujeitos ao interná-los sem o consentimento dos mesmos.



A política de internação compulsória não se mostra eficaz, visto que o sujeito estará sendo desintoxicado contra sua vontade, o que causará tentativas de fuga como defesa ao se dar conta da situação. Ele não irá internalizar as intervenções realizadas durante a internação, sendo assim, ao sair continuará com o mesmo comportamento, principalmente por voltar ao seu contexto social, em que passará por situações, que voltará a ver pessoas e problemas que darão vontade de utilizar a droga, como uma forma de fugir da sua dura realidade.


Cada ser humano, é um ser único e subjetivo. Não adiantará apenas esconder os problemas, precisamos olhar para eles, pensar em soluções que sejam eficazes. Se nós que não possuímos espectros psicopatológicos, durante o período de quarentena, ficamos isolados mas, ainda podemos nos comunicar de outras formas, estamos convivendo com nossos familiares mais próximos, está sendo uma fase difícil, imagine para alguém que está sendo desintoxicado de um uso desenfreado de drogas?


Trancafiar alguém, com cuidados invasivos, muitas vezes desumanos não está nem um pouco próximo de ser uma solução. Precisamos de políticas públicas que façam possível um acompanhamento multidisciplinar, sem tirar o direito social dos indivíduos. Em que o indivíduo faça parte da sua recuperação, dentro de suas vontades, limitações e necessidades.


Não podemos esquecer que somente isso também ainda não é o suficiente. É necessário que haja uma educação eficiente para a prevenção, maiores atividades de lazer e cultura, saúde, acesso à necessidades básicas, sem passar necessidades. Quebrando as barreiras sociais, econômicas, educacionais e o preconceito, conseguiremos, um dia, vencer essa guerra.


Referências bibliográficas


PREUSS, F. C. PEROTTI, E. D. SHUCK. A. L. E Como Ficam Nossos Desejos? Um Olhar Psicanalítico Sobre a Pandemia do COVID-19. Anuário Pesquisa e Extensão Unoesc São Miguel Do Oeste. e24162. SC, 05/2020.


MAGALHÃES, A. C. R. SANTOS. L. O. PEREIRA, M. F. S. SANTOS, M. S. RIBEIRO, M. G. G. ABTIBOL, T. D. S. FRANÇA, V. N. Isolados e conectados: atendimento psicossocial de crianças e seus familiares em tempo de distanciamento. Disponível em: <https://escsresidencias.emnuvens.com.br/hrj/article/view/11/22> acesso maio de 2020.


MARTINS, D. S. VIEIRA, J. C. C. CASTRO, M. S. R. LIMA, M. S. PORTELLA, N. M. FONSECA, R. P. O. FIGUEIREDO, S. H, G. Da proximidade ao distanciamento social: desafios de sustentar a lógica da Atenção psicossocial em tempos de pandemia. Disponível em: <https://escsresidencias.emnuvens.com.br/hrj/article/download/21/7> acesso em maio de 2020.


MORAES, R. A. Sobre a Toxicomania e Psicanálise: o Sujeito Adicto na Clínica e as Intervenções. Psicologado, [S.l.]. (2014). Disponível em <https://psicologado.com.br/abordagens/psicanalise/sobre-a-toxicomania-e-psicanalise-o-sujeito-adicto-na-clinica-e-as-intervencoes> . Acesso em Maio 2020.


SANTOS, A. L. G. FARIAS, F. R. PINTO, D. S. Por uma sociedade sem hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico. Hist. Cienc. Saude-Manguinhos. vol.22 no.4. Rio de Janeiro Oct./Dec. 2015.


Carvalho, B. Oliveira, N. Internação compulsória de usuários de crack no Brasil: prós e contras. Revista Brasileira De Bioética, 10(1-4), pg. 35-53. 2014.


COELHO, I. OLIVEIRA, M. H. B. Internação compulsória e crack: um desserviço à saúde pública. Saúde debate [online]. 2014, vol.38, n.101, pg.359-367.


Sobre a Autora


Cassandra Cunha


Acadêmica de Psicologia da Universidade Nove de Julho. Atualmente é membro na Liga Acadêmica de Psicanálise e Psicopatologia da Universidade Nove de Julho.

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