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Mal-Estar na política: Alteridades canceladas

Atualizado: 1 de set. de 2020

O criador da psicanálise Sigmund Freud (1930/2013) em seu texto mal-estar na civilização, pontua três fontes de onde vem nosso sofrimento: “A prepotência da natureza, a fragilidade do nosso corpo e por último a insuficiência das normas que regulam os vínculos humanos na família, no Estado e na sociedade” (FREUD,1930/2013:29). Diante do último mal-estar, ou seja, aquele que se refere aos vínculos humanos diante do cenário social atual. Podemos perceber um grande Mal-Estar na política brasileira. Esse mal-estar se da pela retirada dos assuntos políticos como Tabu, não atoa, que anteriormente se prevalência o ditado popular "futebol, política e religião não se discute". Um movimento sutil, que colocou em xeque, tudo aquilo que anteriormente não poderia ser narrado, para evitar discussões familiares, de amigos e relacionamentos. No entanto, hoje falamos e muito, a ponto de estarmos cercado por grandes escândalos que permeia a política do Brasil e este assunto gera constantes mal-estar. A ponto de grupos de estudos, familiares, facebook e etc.. Evocarem novamente o ditado popular "futebol, política e religião não se discute". O modelo operante para os discussões também se coloca a mercê da austeridade. A percepção do outro como inimigo é evocado e convoca os pares a uma épica jornada de insultos egoicos, o saber político se esvai e o debate é direcionado em ofensas na tentativa de diminuir este outro.



A percepção do outro como o inimigo, pode ser visto a luz do esquema formulado por Freud (1921/2013) em “psicologia das massas e analise do eu”, onde a escolha do objeto (ideia), é marcado pelo objeto idealizado e a figura do líder, na qual o sujeito se identifica. Não havendo uma distinção de objeto externo (líder) e do Eu, causando uma aversão frente ao outro, que se opõe a seu ideal de eu. Assim como apresenta o esquema de Freud (1921/2013)



O que se coloca em questão diante deste segundo mecanismo de debate, de ataque ao outro, é como ele foi atribuído de forma tão "fácil" em nossas relações e como a política saiu do lugar de "indiscutível", para discutível e principalmente como essa discussão é interligada as fragilidades egoicas e se coloca em combate.


O EU COMO IMPERATIVO CULTURAL


Para contextualizar a fragilidade do Eu do sujeito contemporâneo, é necessário compreendermos, o que este ser é atravessado no discurso do capital vigente, o neoliberalismo.


O neoliberalismo tem como fundamento a exacerbação do Eu, aqui se traz, o conceito de cultura do narcisismo, para compreender as dimensões do efeito neoliberal no sujeito. Sobretudo como este sujeito é estimulado a desempenhar o máximo de sua potencialidade, além do seu valor individual ter que ser reivindicado em cada instante.


Segundo Pacheco (2005), outras característica produzida pelo neoliberalismo e a cultura do narcisismo é o auto-centramento que volta o sujeito quase que exclusivamente para si. Este estaria ausente de ideias sendo arrastado em direção a um egocentrismo radical. Tal fenômeno estaria relacionado a um estado de regressão de narcisismo quase que pura. O neoliberalismo então adotaria um “antídoto” para movimentar este sujeito, através de doses diárias de “ideias coletivas, que possam resgatar os ‘bons tempos’ em que teriam sido mais significativas a atenção e a solicitude para com os demais membros do corpo social.” (PACHECO, 2005:161)


Para Pacheco (2005) As ideias destes, estariam sendo subvertidas pelo imperativo do sucesso, diante da perspectiva de que a livre competição entre os indivíduos autônomos, em busca de lucro e do seu exclusivo interesse pessoal poderia produzir algum tipo de benefício coletivo. Neste perspectiva podemos ressaltar o quão irônico ter o outro como rival poderia trazer algum tipo de benefício coletivo, já que este outro é eleito automaticamente como concorrente. É neste sentido de fazer-se bem sucedido, com possibilidade de usufruir de um gozo ilimitado em seu consumo, que se produz o pensamento do sujeito neoliberal.


Figura 1 - Black friday 2019


Nesse sentido, surgem também novas formas de regulação espiritual e motivacional do sujeito neoliberal, a começar pelas novas seitas e evangelismo baseado na positividade coercitivo. Refiro-me a teologia da prosperidade e suas reivindicações monetárias em busca da prosperidade do sujeito. Para além da subversão da fé, a motivação é regulada através dos Coaching, pois o mundo não pode parar, e o sujeito, diante de sua negatividade, deve-se convencer de que o fracasso de seu péssimo desempenho é de sua total responsabilidade. Eis que entra os gurus da positividade. Afinal de contas, o Eu não suportaria aspectos negativo de fracasso, ele luta diariamente para se afirmar enquanto sujeito de pleno desempenho.




Segundo Chul-Han (2015/2019) a regulação para elevar a produtividade destes sujeitos, perpassa pela troca dos paradigmas disciplinares para o paradigma do desempenho ou pelo esquema positivo do poder. A positividade do poder é bem mais eficaz que a negatividade do dever. O fazer é positivado pelo desempenho do sujeito, enquanto as punições disciplinares e a obrigação do dever é negativado, diminuindo sua eficácia na produção destes. Não é atoa que nessa quarentena, aqueles que lutam contra o ócio de estar em isolamento social, sentem profundo mal-estar.


Quanto a estrutura psíquica do sujeito contemporâneo, diante da lógica do “eu como imperativo”, Birman (1999/2011) aponta que o Eu não é uma estrutura originária, ou seja, ela não tem seu início nos primórdios do ser, apenas o ID, o Eu teria sua formação posteriormente sendo fundada através do investimento libidinal do outro, no período que Lacan denomina “estágio do espelho”. Na ausência da possibilidade do contato com o outro, o sujeito passa a investir em si mesmo, o outro somente é aceito na medida em que cultiva admiração por este.




Constitui-se aqui a manipulação do outro como técnica de existência para a individualidade, maneira privilegiada para exaltação de si-mesmo.Como efeito, para o sujeito não importam mais os afetos, mas a tomada do outro como objeto de predação e gozo, por meio do qual se enaltece e glorifica”. (BIRMAN, 1999/2011:180)

O mundo passa ser o palco onde o outro não pode ser protagonista. O eu se atrofia, por não conseguir relacionar-se com o outro, somente consigo, e em defesa deste Eu, nega-se qualquer tipo de negatividade (CHUL-HAN, 2015/2019).






Algumas reflexões, diante do mal-estar político:


Diante desta breve exposição, é possível dialogar com o outro sem que este represente algum ideal do sujeito? O que você sente ao falar de política e principalmente? Como você se coloca diante do outro ao debater política? De forma a deter o saber, de forma excludente ou então tenta elaborar uma dialética dos teus pensamentos e do outro? Sobretudo como é que você reproduz aquilo que sabe e dialoga com o outro?

Esse texto é uma breve síntese do artigo que irei apresentar no Uruguai no 33° congresso latino americano de psicanálise da Federación Psicoanalítica de América Latina (FEPAL). Irei fazer uma roda de conversa sobre o tema: “A empatia no mal-estar político”, para quem tiver interesse, basta acessar o link: https://docs.google.com/forms/d/1Q5tjjTbGwJCQ-dMlcFyE4YZQVxgRBvJVcqCNvsaBpyA/edit?usp=drive_web Estou realizando também uma vaquinha online, para que possa conseguir arcar com os custos da viagem da apresentação, para contribuir basta acessar o link: https://www.kickante.com.br/campanhas/apresentacao-artigo-academico-no-uruguai


Referências Bibliográficas:

Birman, J. (2011). Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. 1999. Rio de Janeiro. Editora 34.


Freud, S. (2013). Obras Completas: O Mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos (1930-1936). Companhia das Letras.


Han, B. C. (2019). Sociedade do cansaço. 2015. Editora Vozes Limitada.


Pacheco Filho, R. A. (2005). O capitalismo neoliberal e seu sujeito. Mental, 2(4), 153-171.


Freud, S (2013). A Psicologia das Massas e Análise do Eu. 1921. Porto Alegre: Ed. L&PM Pocket.

Sobre o autor:

Ayrton Yuri Alves Souza é discente de psicologia pela Universidade nove de Julho. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em psicanálise, atuando principalmente nos seguintes temas: psicanálise, empatia, subjetividade, mal-estar político e alteridade. Atualmente é pesquisador orientando - Diversidade Humana e Comportamento Violento - Pesquisa e Intervenção - DivHum-PI.  Pesquisador Orientando - Iniciação cientifica - Universidade Nove de Julho: Sobre temática Identidade social de mediadores e conciliadores". Pesquisador do Núcleo de Filosofia Política e do Grupo de Pesquisa A Crise do Amadurecimento na Contemporaneidade, do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo /PUC-SP – LABÔ; Membro Fundador da Liga Acadêmica de Psicanálise e Psicopatologia da Universidade Nove de Julho

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